sábado, 2 de maio de 2009

A Arte de Ser Feliz

"Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que pareciaser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirandocom a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficavacompletamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crinças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abreme fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes um galo canta. Às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenasf elicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim."

Cecília Meireles

O Cisne Negro

Cárcere das almas

"Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,soluçando nas trevas, entre as grades do calabouço olhando imensidades,Mares, estrelas, tardes, natureza. Tudo se veste de uma igual grandeza quando a alma entre grilhões as liberdades sonha e sonhando, as imortalidades rasga no etéreo espaço da Pureza. Ó almas presas, mudas e fechadas nas prisões colossais e abandonadas, da dor no calabouço atroz, funéreo!Nesses silêncios solitários, graves, que chaveiro do Céu possui as chaves para abrir-vos as portas do Mistério?!"


Cruz e Souza

João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, atual Florianópolis. Filho de escravos alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa, seria acolhido pelo Marechal e sua esposa como o filho que não tinham. Foi educado na melhor escola secundária da região, mas com a morte dos protetores foi obrigado a largar os estudos e trabalhar.
Sofreu uma série de perseguições raciais, culminando com a proibição de assumir o cargo de promotor público em Laguna, por ser negro. Em 1890 vai para o Rio de Janeiro, onde entra em contato com a poesia simbolista francesa e seus admiradores cariocas. Colabora em alguns jornais e, mesmo já bastante conhecido, após a publicação de Missal e Broquéis (1893), só consegue arrumar um emprego miserável na Estrada de Ferro Central.
Casa-se com Gavita, também negra, com quem tem quatro filhos, dois dos quais vêm a falecer. Sua mulher enlouquece e passa vários períodos em hospitais psiquiátricos. O poeta contrai tuberculose e vai para a cidade mineira de Sítio se tratar.
Morre aos 36 anos de idade, vítima da tuberculose, da pobreza e, principalmente, do racismo e da incompreensão.


Van Gogh ( Café Noturno na Place Lamartine, em Harles )
....em que ele descreve sua pintura da seguinte forma: "Tratei de expressar com o vermelho e o verde as terríveis paixões humanas(...) o café é um lugar onde as pessoas podem se arruinar, enlouquecer, ou cometer um crime".


"Há loucuras que, como as noites polares, se transformam em verdadeiras auroras boreais reveladoras da mais perfeita lucidez e são a ponte mágica de cristal e azul sobre a qual emigramos do gólfão infernal da Terra para as alvoradas de ouro de um ideal."

Cruz e Souza

O Anjo


Descalça e suja, a garotinha passava as tardes no parque olhando as pessoas passarem. Ela nunca tentava falar, não sorria, não dizia uma única palavra. Muitas pessoas passavam por ela, mas nenhuma sequer lhe lançava um simples olhar, ninguém parava, inclusive eu. No outro dia, eu decidi voltar ao parque, curiosa para ver se a pequena garota ainda estaria lá. Ela estava empoleirada no alto do banco com o olhar mais triste do mundo. Mas, desta vez, eu não pude simplesmente passar ao largo, preocupada somente com meus afazeres. Ao contrário, vi-me caminhando ao encontro dela. Pelo que todos sabemos, um parque cheio de pessoas estranhas não é um lugar adequado para crianças brincarem sozinhas. Quando me aproximei dela, pude ver que as costas do seu vestido indicavam uma deformidade. Conclui que esta era a razão pela qual as pessoas simplesmente passavam e não faziam esforço algum em se importar com ela. Quando cheguei mais perto a garotinha deliberadamente baixou os olhos para evitar meu olhar. Pude ver o contorno de suas costas mais claramente. Ela era grotescamente corcunda. Sorri para lhe mostrar que tudo estava bem e que estava lá para ajudar e conversar. Sentei-me ao lado dela e disse um olá. A garota reagiu chocada e balbuciou um "oi" após fixar intensamente meus olhos. Eu sorri e ela timidamente sorriu de volta. Conversamos até o anoitecer e o parque já estava completamente vazio. Todos tinham ido e estávamos sós. Eu perguntei porque a garotinha estava tão triste. Ela olhou-me e disse: "Porque eu sou diferente". Respondi-lhe, sorrindo: "Sim, você é". A garotinha ficou ainda mais triste, dizendo: "Eu sei". "Garotinha", eu disse, "você me lembra um anjo, doce e inocente". Ela olhou para mim e sorriu lentamente, levantou-se animada: "De verdade?". "Sim, querida, você é um pequeno anjo da guarda mandado para olhar todas estas pessoas que passam por aqui. Ela acenou com a cabeça e disse sorrindo "sim", e com isto abriu suas asas e piscando os olhos falou: "eu sou seu anjo da guarda". Eu fiquei sem palavras e certa de que estava tendo visões. Ela finalizou, "quando você deixou de pensar unicamente em você, meu trabalho aqui foi realizado". Imediatamente, levantei-me surpresa e perguntei:"Espere, porque então ninguém mais parou para ajudar um anjo?" Ela olhou para mim e sorriu: "Você foi a única capaz de me ver", e desapareceu. Com isto minha vida foi mudada drasticamente.
Quando você pensar que está completamente só, lembre-se: seu anjo está sempre tomando conta de você. O meu estava...

Caminhos da interpretação

A Farmácia cósmica de Nasrudin


“Nasrudin estava desempregado. Perguntou, então, a alguns amigos que tipo de profissão deveria seguir. Bem, Nasrudin, disseram, você é muito capaz e conhece bastante as propriedades medicinais das ervas. Poderia abrir uma farmácia. Nasrudin foi para casa, pensou e disse para si mesmo: sim, acho que é uma boa idéia. Acho que sou capaz de fazer isso. Naturalmente, sendo Nasrudin, nessa ocasião em particular passava por um de seus momentos de desejar ser proeminente e importante. Assim, pensou: Não abrirei apenas uma loja de ervas ou uma farmácia que lide com ervas; abrirei algo grandioso e que cause um forte impacto. Comprou uma loja, instalou prateleiras e armários e quando chegou a hora de pintar a fachada, montou um andaime, cobriu-o com chapas e trabalhou atrás delas. Não deixou que ninguém visse o nome que daria à farmácia ou como a fachada estava sendo pintada. Após vários dias, distribuiu folhetos que diziam: Grande inauguração, amanhã às nove horas. Todos de sua aldeia e das aldeias vizinhas vieram e ficaram esperando em frente à nova loja. Às nove horas, Nasrudin apareceu, retirou a placa da frente e lá estava um enorme cartaz onde se lia: Farmácia Cósmica e Galáctica de Nasrudin e abaixo estava escrito: Influenciada e harmonizada com influências planetárias. Muita gente ficou impressionada e ele fez um ótimo negócio naquele dia. Ao anoitecer, um professor local aproximou-se de Nasrudin e lhe disse: Francamente, essas alegações que você faz são um pouco duvidosas. Não, não, respondeu Nasrudin, cada alegação que faço sobre influência planetária é absolutamente correta. Quando o sol se levanta, abro a farmácia e quando o sol se põe, eu fecho. Portanto, pode haver diferentes interpretações sobre quanto a influência planetária afeta alguém e sobre o quanto dessas influências alguém recebe ou usa.”

Transformações

Milho de pipoca

Rubem Alves



"Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre.Assim acontece com a gente.As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que Seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo.O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor.Pode ser fogo de fora: Perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre.Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo!... Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: Vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si.Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada para ela.A Pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM!E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado. Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar.São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém. "

Solidão

Seja Feliz

Apenas sinta...

O que falar a respeito? Não precisamos de palavras, basta sentir!!
Somente um sentimento tão puro é capaz de propiciar tal fato

A Luz em Você

Sejas!!



Não podendo ser diamante,
Seja carvão.

Garanhão árabe,
Seja mula de carroça.

Pinheiro na floresta,
Seja capim santo.



O Sol,
Seja uma vela.

O oceano,
Seja a gota d’água.

A montanha,
Seja o caminho.

O amado,
Seja o que ama.

O sábio,
Seja o discípulo.



O engenheiro,
Seja o pedreiro.

O arquiteto
Seja o faxineiro.

Contudo, em tudo que faças,
Sejas digno.




Não é teu tamanho ou importância o que te eleva.
Mas, a luz que leva contigo
.

Simplesmente para relaxar....

O seu valor


Há muito tempo, numa cidade qualquer do interior, um jovem que vivia desanimado dirigiu-se ao seu professor:- Venho aqui, professor, porque me sinto tão pouca coisa que não tenho forças para fazer nada. Me dizem que não sirvo para nada, que não faço nada bem, que sou lerdo e muito idiota. Como posso melhorar? O que posso fazer para que me valorizem mais?O professor, sem olhá-lo, disse-lhe:- Sinto muito, meu jovem, mas não posso ajudar. Devo primeiro resolver meu próprio problema. Talvez depois. E fazendo uma pausa, falou:- Se você me ajudasse, eu poderia resolver este problema com mais rapidez e depois talvez possa lhe ajudar.- Claro, professor - gaguejou o jovem, logo se sentindo outra vez desvalorizado e hesitou em ajudar seu professor. O professor tirou um anel que usava no dedo mínimo deu ao garoto, dizendo:- Pegue o cavalo e vá até o mercado. Devo vender esse anel porque tenho de pagar uma dívida. É preciso que você obtenha pelo anel o máximo possível, mas não aceite menos que uma moeda de ouro. Vai e volta com a moeda o mais rápido possível.O jovem pegou o anel e partiu. Mal chegou ao mercado, começou a oferecer o anel aos mercadores. Eles olhavam com algum interesse, até quando o jovem dizia o quanto pretendia pelo anel. Quando o jovem mencionava a moeda de ouro, alguns riam, outros saiam, sem ao menos olhar para ele. Só um velhinho foi amável, a ponto de explicar que uma moeda de ouro era muito valiosa para comprar um anel.Tentando ajudar o jovem, chegaram a oferecer uma moeda de prata e uma xícara de cobre, mas o jovem seguia as instruções de não aceitar menos que uma moeda de ouro e recusava as ofertas. Depois de oferecer a jóia a todos que passaram pelo mercado, abatido pelo fracasso, montou no cavalo e voltou. O jovem desejou ter uma moeda de ouro para que ele mesmo pudesse comprar o anel, assim livrando a preocupação de seu professor e, assim, receber ajuda e conselhos. Já na escola, diante de seu mestre, disse:- Professor, sinto muito, mas é impossível conseguir o que me pediu. Talvez pudesse conseguir duas ou três moedas de prata, mas não acho que se possa enganar ninguém sobre o valor do anel.- Importante o que disse, meu jovem... - o professor disse, sorridente- Devemos saber primeiro o valor do anel. Pegue novamente o cavalo e vá até o joalheiro. Quem poderia ser melhor para saber o valor exato do anel? Diga-lhe que quer vender o anel e pergunte quanto ele lhe dá. Mas não importa o quanto ele lhe ofereça, não o venda... Volte aqui com meu anel.O jovem foi até o joalheiro e deu o anel para examinar. O joalheiro examinou o anel com uma lupa, pesou o anel e disse:- Diga ao seu professor, se ele quer vender agora, não posso dar mais que 58 moedas de ouro pelo anel.- 58 MOEDAS DE OURO!!! - exclamou o jovem.- Sim, replicou o joalheiro, eu sei que, com tempo, eu poderia oferecer cerca de 70 moedas, mas se a venda é urgente...O jovem correu emocionado à escola para contar o que ocorreu. Depois de ouvir tudo que o jovem lhe contou, o professor disse:- Você é como esse anel, uma jóia valiosa e única. E que só pode ser avaliada por um "expert". Pensava que qualquer um podia descobrir seu verdadeiro valor?E, dizendo isso, voltou a colocar o anel no dedo.Todos somos como esta jóia. Valiosos e únicos, andamos por todos os mercados da vida, pretendendo que pessoas inexperientes nos valorizem.Porém ninguém, além do Grande Joalheiro, sabe o nosso valor!

Torne-se um lago


Um velho Mestre pediu a um jovem triste que colocasse uma mão cheia de sal em um copo d'água e bebesse. - "Qual é o gosto?" perguntou o Mestre. - "Ruim " disse o aprendiz. O Mestre sorriu e pediu ao jovem que pegasse outra mão cheia de sal e levasse a um lago. Os dois caminharam em silêncio e o jovem jogou o sal no lago, então o velho disse: - "Beba um pouco dessa água". Enquanto a água escorria do queixo do jovem, o Mestre perguntou: - "Qual é o gosto?" - "Bom!" disse o rapaz. - Você sente gosto do "sal" perguntou o Mestre? - "Não" disse o jovem. O Mestre então sentou ao lado do jovem, pegou sua mão e disse: - A dor na vida de uma pessoa não muda.
Mas o sabor da dor depende aonde a colocamos.
Então quando você sentir dor, a única coisa que você deve fazer é aumentar o sentido das coisas. Deixe de ser um copo.
Torne-se um lago...

Uma Lição

Léo era um sujeito grandão, um tanto atrapalhado, que vestia sempre roupas remendadas e muito pequenas para o seu tamanho. Diversos colegas divertiam-se muito pregando-lhe peças.
Um dia um colega notou um pequeno rasgão na manga de sua camisa e deu-lhe um puxão, aumentando o rasgado. Outro colega da fábrica deu sua contribuição, e outro, e logo havia um pedaço da manga rasgada, pendurado. Léo continuou o seu trabalho e, ao passar muito perto de uma correia em movimento, ficou com o pedaço rasgado preso na correia, tendo o braço puxado para dentro da máquina. Alarmes soaram, interruptores foram acionados, e um acidente mais sério foi evitado.
O chefe do setor, entretanto, ciente do que tinha acontecido, chamou o seu pessoal e contou a seguinte estória.
Quando era mais jovem, trabalhei em uma pequena fábrica. Foi lá que fiquei conhecendo Miguel.
Miguel era um sujeito grande, brincalhão, que gostava de fazer brincadeira com os outros, pregar pequenas peças. Ele era o líder da turma.
Havia também o Pedro, um seguidor, que sempre participava das brincadeiras do Miguel.
E havia também o Jaques. Ele era um pouco mais velho que o resto do grupo, quieto, inofensivo, à parte. Ele sempre comia o seu lanche sozinho, num canto. Por três anos seguidos, ele vestia sempre a mesma roupa remendada. Ele nunca participava dos jogos que jogávamos no horário do almoço, parecia indiferente, e sempre sentava sozinho debaixo de uma árvore.
Jaques era o alvo natural das brincadeiras e piadas do grupo. Ora encontrava um sapo na marmita, ora um rato morto em seu chapéu. E ele sempre aceitava isso com bom humor.
Num fim-de-semana de outono, Miguel resolveu ir caçar. Pedro foi com ele, é claro. E eles prometeram para todos que, se caçassem alguma coisa, iriam trazer um pedaço para cada um de nós. Assim, nós ficamos todos muito animados e ansiosos quando soubemos que tinham retornado e que Miguel havia caçado um antílope grande e gordo. Ficamos sabendo mais que isso, pois Pedro nunca conseguia guardar um segredo apenas para si mesmo, e deixou transpirar que tinham preparado uma boa peça para aplicar no Jaques.
Miguel tinha dividido o antílope em pedaços e feito um pacote com uma boa porção para cada um de nós. E, para uma boa gargalhada, a peça era que ele havia separado as orelhas, o rabo e os cascos num pacote -- ia ser muito engraçado quando Jaques desembrulhasse aquele presente.
Miguel distribuiu os pacotes no horário do almoço. Cada um de nós ia abrindo o seu pacote, que continha uma bela porção de carne de antílope, e dizia obrigado. O maior pacote de todos ele deixou por último. Era para o Jaques. Pedro estava quase explodindo de vontade de rir, e Miguel exibia um ar de satisfação.
Como sempre, Jaques estava sentado sozinho, no lado mais afastado da grande mesa. Miguel empurrou o pacote para perto dele, e todos ficamos na expectativa. Jaques não era o tipo de muitas palavras. Ele falava tão pouco que você nem percebia quando ele estava por perto. Em três anos ele provavelmente não tinha dito nem cem palavras. Por isso, o que aconteceu a seguir nos pegou de surpresa.
Ele pegou o pacote firme nas mãos e levantou devagar, com um grande sorriso no rosto. Foi então que notamos que seus olhos estavam brilhando. Por alguns momentos, o seu pomo de Adão se moveu para cima e para baixo, até ele conseguir controlar sua emoção.
"Eu sabia que você não ia se esquecer de mim", disse com a voz embargada, "Eu sabia, você é grandão e gosta de fazer brincadeiras, mas sempre soube que você tem um bom coração." Ele engoliu em seco novamente, e continuou falando, dessa vez para todos nós. "Eu sei que não tenho sido muito participativo com vocês, mas nunca foi por má intenção. Sabem, eu tenho nove filhos em casa, e uma esposa inválida, presa na cama já fazem quatro anos. E sei que ela nunca mais vai melhorar. Às vezes, quando ela passa mal, eu tenho que ficar a noite inteira acordado, cuidando dela. E a maior parte do meu salário tem sido para os médicos e os remédios. As crianças fazem o que podem para ajudar, mas tem sido difícil colocar comida para todos na mesa.
Vocês talvez achem esquisito que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto...Bem, eu acho que tenho ficado um pouco envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para pôr no meu sanduíche. Ou, como hoje, havia talvez apenas uma batata na minha marmita. Mas eu quero que saiba que essa carne representa, realmente, muito para mim. Provavelmente muito mais do que para qualquer um de vocês, por que hoje à noite os meus filhos....", ele limpou as lágrimas dos olhos com as costas das mãos "hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente..." e ele começou a abrir o pacote...
Nós tínhamos estado prestando tanta atenção no Jaques, enquanto ele falava, que nem tínhamos notado a reação do Miguel e do Pedro. Mas agora, todos percebemos quando os dois saltaram e tentaram pegar o pacote das mãos do Jaques. Mas, tarde demais. Jaques já tinha aberto e pacote e estava, agora, examinando cada casco, cada orelha, levantando o rabo do antílope.
Deveria ter sido tão engraçado, mas ninguém riu. Ninguém mesmo. E a pior parte foi quando Jaques, tentando sorrir, disse: "Obrigado."
Em silêncio, um a um, cada um dos colegas, pegou o seu pacote e colocou na frente do Jaques, pois eles haviam, de repente, compreendido quão pouco o presente significava para eles... até aquele momento...
Esse foi o ponto onde o chefe de seção parou sua estória e se afastou. Ele não precisou dizer mais nada, e foi gratificante notar que cada colega, naquele dia, enquanto almoçava, compartilhou parte da sua comida com o Léo, e um deles chegou mesmo a tirar a sua camisa e dá-la de presente para ele.