Mostrando postagens com marcador psiquiatria. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador psiquiatria. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A importância da saúde mental


Não há Saúde sem Saúde Mental
Adoecer psiquicamente não é prerrogativa da
modernidade. É tão humano quanto nascer ou
morrer, ter diabetes, hipertensão arterial,
hemorragia.
Adoecer faz parte da condição humana.

Quando alguém adoece, é natural que receba afeto, simpatia e compreensão para superar o problema. O mesmo não acontece quando essa pessoa adoece por um transtorno mental. A doença, nesse caso, pode ser interpretada como sinal de fraqueza, de autoflagelo, de covardia. Guardada a devida distância, é uma reação semelhante a que os romanos manifestavam em relação aos portadores de lepra - uma condição considerada degradante, dolorosa e contagiante.
Melhor evitá-los, colocando-os em lugares bem longe das cidades, confinados. Foi essa a lógica que levou à criação dos asilos para os desvalidos na França, na Inglaterra e no Brasil, a partir do final do século XVIII.
Adoecer psiquicamente não é prerrogativa da modernidade. É tão humano quanto nascer ou morrer. Não há civilização conhecida, mesmo as mais primitivas e idealizadas, sem registro da existência de transtornos mentais como os descritos nos manuais nosológicos atuais.
O transtorno mental não escolhe nem cor de pele nem classe social. Dom João VI teve problemas com a mãe e nosso imperador Dom Pedro II, culto e admirado, deve ter sofrido mais com a doença do filho do que com a abdicação do trono aos republicanos. Quantos reis e rainhas fazem parte dessa lista? Quantos artistas consagrados conseguiram realizar grandes obras apesar de seus tormentos? Que sofrimentos não experimentaram Van Gogh, Virginia Woolf e Vladimir Maiakovski?
Estou tentando me lembrar de uma só família que tenha passado incólume por essa marca.
Como convencer as pessoas de que adoecer mentalmente é tão normal quanto ter hipertensão arterial, ou diabetes, ou hemorragia?
Em outubro do ano passado, a tradicional publicação britânica The Lancet, por obra de seu jovem e instigante editor, Richard Horton, decidiu abraçar a causa dos transtornos me n t a i s.
Foi criado um comitê executivo internacional encarregado de assessorar governos, políticos e organizações não-governamentais, bem como usuários dos serviços e seus familiares, no planejamento da ampliação do financiamento e dos recursos assistenciais comunitários efetivos, para reduzir o hiato existente entre a demanda e a disponibilidade de serviços para o cuidado da saúde mental no planeta, contemplando a proteção dos direitos humanos.
A iniciativa do Lancet, evocada pela presença marcante de Vikram Patel, Martin Prince e Shekhar Saxena, foi reforçada por um movimento intitulado Global Mental Health Movement, que está lançando chamado para uma ação global pela ampliação dos serviços de saúde mental. No dia 10 de outubro, dia mundial da Saúde Mental, a OMS lançou um programa semelhante em Genebra. O novo programa, de iniciativa da OMS, e outras ações para aprimorar a atenção aos portadores de transtornos mentais estão em andamento em vários países do mundo. A meta é que todo desvalido e marginalizado tenha seus direitos contemplados, que todo sujeito com problema, independente de cor, classe e diagnóstico, tenha o direito à liberdade, respeito e dignidade, que faça dele um semelhante apenas diferente. Todos os que quiserem participar do movimento do Global Mental Health devem acessar o site para se cadastrar, para ter acesso a vários artigos e documentos relacionados com a expansão de serviços de saúde mental em países de baixa e média renda per capita.
Adoecer de um transtorno mental é tão natural quanto os dizeres do verso do poeta Caetano Veloso, "de perto ninguém é normal".
A estimativa é de que 25% da nossa população adulta irão exigir algum tipo de cuidado de saúde mental no espaço de um ano. A magnitude dessa realidade provoca um enorme descompasso entre demanda e disponibilidadede serviços, mesmo nos países desenvolvidos. O que dizer desse desequilíbrio nos países mais pobres?
No Brasil, aquela mãe que corre de um lado para outro com seu filho nos braços, em busca de tratamento, sabe o que é esse descompasso. Nos últimos anos, vimos uma redução substancial dos leitos psiquiátricos no país e a introdução progressiva dos novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Vários pacientes saíram da situação de confinamento e voltaram para casa. Alguns poucos o fizeram contando com o recurso previdenciário do governo, muitas vezes o único fornecido para aquela família. Estes recuperaram a dignidade e a cidadania. Vários, porém, perderam o contato com os parentes e permaneceram na situação asilar, muitas vezes em condições precárias e desumanas. Os profissionais brigam entre si. Alguns defendem os hospitais, outros o atendimento comunitário. O paciente fica no meio, à mercê da disputa.

O que mais importa, na verdade, é que as alternativas de tratamento, em hospitais ou em CAPS, sejam humanizadas e condignas e efetivas, ou seja, compostas, de fato, de uma terapêutica especializada e de padrão internacional. São vários os tratamentos disponíveis: medicamentosos, psicoterápicos e psicossociais, muitos com eficácia comprovada.
Há meios de se distinguir os que funcionam dos que nada adiantam. Há muitos casos em que não adianta atender somente a situação de crise. Pode ser preciso estender o tratamento por toda a vida. É enorme o impacto de um tratamento bem escolhido na vida do sujeito e de seus familiares, tanto do ponto vista da qualidade de vida quanto do ponto de vista econômico.
Ah! Mas o tratamento escraviza, deixa a vítima dependente da pílula, dirão os críticos do uso continuado, por exemplo, de medicação psicotrópica. Sou defensor da interpretação antagônica: o tratamento liberta, deixa o sujeito em condição de respirar, de criar e até mesmo de sorrir e sonhar.
O sistema de saúde mental atual tem muito para melhorar e aprimorar. Carece de articulação entre os diferentes níveis de atenção (Programa Saúde da Família - PSF, ambulatórios, CAPS, leitos para internação de casos agudos, leitos para internações mais prolongadas), além de distribuição mais homogênea de profissionais bem treinados entre as diversas regiões geográficas. A análise de todos os serviços e recursos humanos disponíveis, por regiões do país, realizada por um grupo de trabalho, recentemente, indicou várias recomendações a serem implementadas .
Uma questão importante é a expansão do número de leitos psiquiátricos em unidades do hospital geral. A internação psiquiátrica requer vários exames médicos e, quando realizada no âmbito do hospital geral, tende a ser de curta duração. Receber pessoas com transtornos mentais em enfermarias de hospitais clínicos auxiliaria a reduzir o estigma enfrentado pelos pacientes e por seus familiares. O Hospital São Paulo, da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, conta com enfermaria de psiquiatria há mais de trinta anos. Alguns hospitais de ponta no país, entre eles o Albert Einstein,
de São Paulo, estende atualmente seus cuidados aos portadores de transtornos mentais. É fundamental a continuidade do programa de desinstitucionalização progressiva dos pacientes remanescentes em situação asilar, principalmente nos hospitais reconhecidamente deficientes e com histórico de abuso dos direitos humanos.
Os transtornos mentais são responsáveis por 18% da sobrecarga global das doenças no país, mas contam apenas com 2,5% do orçamento da saúde. É preciso superar esse descompasso, ampliarmos cursos de graduação e pós-graduação especializados em enfermagem psiquiátrica, providenciar treinamento das equipes do Programa de Saúde da Família nos cuidados básicos em saúde mental e desenvolver cursos de extensão para profissionais que possam atuar na gestão dos serviços de saúde mental.
Para um país que pretende reduzir a desigualdade social, é essencial cuidar de seus desprotegidos com dignidade. Que se amplie o financiamento à saúde em direção à oferta mais eqüitativa dos serviços destinados aos portadores de transtornos mentais, pois não há saúde sem saúde mental
Jair de Jesus Mari
Membro do Comitê Executivo do
Professor titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade
Federal de São Paulo e Professor honorário do
Population Research Department - Institute of Psychiatry - Kings
College


Global Mental Health Movement.
Health Services and, Universidade de Londres

terça-feira, 21 de abril de 2009

Um pouco de História

A PSIQUIATRIA E SUA HISTÓRIA-"PELO MENOS UMA PARTE"



Antiguidade

Antes da cultura grega, toda a medicina física e psíquica do homem primitivo se apoiava em concepções de natureza mágica e intuitiva, constituindo assim atividade de sacerdotes e feiticeiros. Entretanto, no antigo Egito já existiam médicos cirurgiões que operavam o cérebro e na antiga China, 30 séculos a.C. já existiam alguns conhecimentos de farmacologia e farmacoterapia. Em I Reis da Bíblia, Saul (rei), primeiro rei de Israel, sofria com estados depressivos, que atribuía ao fato de se encontrar possesso de um espírito maligno. Para combater essas crises, Saul pedia a David, seu sucessor, que lhe tocasse a harpa. Hipócrates(460-377 a.C.) considerava a epilepsia (Mal Sagrado) era uma enfermidade natural com origem no cérebro e que a maioria das doenças resultava de transtornos de humores. Um dos seus grandes méritos foi advogar a origem natural de todas as doenças e pôr em causa a concepção sobrenatural das doenças psíquicas. Hipócrates também classificou os tipos constitucionais humanos em quatro grande categorias: sanguíneos, melancólicos, coléricos e fleumáticos. Essa classificação se dava de acordo com o predomínio ou deficiência dos quatro humores existentes no organismo: sangue, linfa, bilis e fleuma. Além disso, Hipócrates também criou aforismos (conceitos clínicos) referentes ao delírio ("o delírio risonho não é tão perigoso quanto o meditabundo") e a três tipos de doenças mentais: a frenite (transtorno mental acompanhado de febre); a Mania (transtorno mental crônico, sem agitação ou febre) e a melancolia (transtorno mental crônico, sem agitação nem febre). A escola hipocrática considerava as doenças como "reações de adaptação" do organismo. Asclepíades também foi um médico grego que se destacou no campo da medicina mental. Viveu no século anterior a Cristo e era adepto do Atomismo (teoria que interpreta os diversos fenômenos psicológicos como combinações de elementos simples ou "átomos"). Asclepíades defendia que a alma não tinha localização (era o resultado da concentração de funções perceptivas) e de que as doeças mentais apareciam como consequencia de alterações das paixões. Galeno, no início da era cristã, defendeu que o sistema nervoso era o centro da sensação, motilidade e funções mentais e que os transtornos psíquicos tinham uma origem cerebral. Galeno foi ainda o primeiro autor a afirmar que a "histeria" não deveria ser considerada uma doença exclusiva da mulher. Erasístrato (355-280 a.C.), designado o pai da fisiologia e seu contemporâneo Herófilo (310-250 a.C.), considerado pai da anatomia dedicaram-se ao estudo dos nervos sensitivos e motores e produziram considerações importantes sobre os ventrículos cerebrais. Aurélio Cornélio Celso (25 a.C - 50 d.C) designou as doenças psíquicas por "insânias".



A difusão do Cristianismo e a Psiquiatria



Conforme o cristianismo difundia-se, paralelamente ampliava-se a superstição de que a doença psíquica representava manifestação da ira divina. Santo Agostinho de Hipona (354-430) dedicou-se a observação dos fenômenos da memória e da consciência. Entretanto, sua religiosidade não permitia que suas observações contrariassem a concepção sobrenatural das doenças psíquicas. Ele acreditava que o homem mantinha, desde o nascimento, uma "inclinação original para o pecado e para a concupiscência por um desejo de posse e de gozo". Esta observação influenciou a psicanálise e a própria fenomenologia. Na idade Média as doenças mentais voltam ao reino do sobrenatural e as terapêuticas consistem novamente em esconjuros, exorcismos para livrar o corpo dos espíritos malignos. O Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas) é um livro escrito por dois dominicanos ( Heinrich Kraemer e James Sprenger em 1484 e é um manual de "pornografia e psicopatologia", em que se descreve a influência do demônio nas feiticeiras (através do desejo carnal), a forma de identificar a feitiçaria e o modo como as feiticeiras devem ser julgadas e punidas. Entretanto, contrariando esta superstição, surge na Europa no fim do primeiro milênio os primeiros "asilos" ou hospitais para doentes mentais. Os primeiros foram a colônia de Geel na Bélgica (850) e o Bethlem Royal Hospital em Londres. Entretanto o conceito degradou-se de forma progressiva e os doentes mentais, os pobres e os abandonados pelas famílias eram recolhidos em Hospícios, instiruições caridosas que eram um misto de casas de assistência e reclusão. Ali viviam também delinquentes e todos eram submetidos às mesmas normas de vigiância e repressão: grilhetas nos pés, açoites, privação alimentar O Renascimento não trouxe benefícios aos doentes psíquicos, mas pelo contrário, exacerbou as práticas de perseguição e desrespeito. Três seculos mais tarde (no Iluminismo) os doentes mentais viviam ainda em condições de promiscuidade, mal alimentados e submetidos a maus tratos. Alguns pensadores porém, trouxeram alguns avanços à psiquiatria durante a idade Média. São Tomás de Aquino, influenciado por Aristóteles, dedicou-se ao estudo da psicologia, e criou o Tomismo, uma espécie de neo-aristoltelismo. Já no período do Renascimento, Paracelso (1493-1541) advogava que a doença mental era uma perturbação da substância interna do corpo, o qual estava intimamente ligado à alma. Deveria-se então reforçar a capacidade do corpo para "curar a si próprio". Assim, Paracelso pode ser considerado como o primeiro psicoterapeuta. Johann Weyer (1515-1588), médico holandês, escreveu De Praestigiis Daemonum et Incantationibus ac Venificiis que postulava que as doenças mentais não eram sobrenaturais e que as feticieras precisavam ser tratadas como doentes psíquicos. Porém, estas foram manifestações racionais isoladas e apenas no final do século XVII notou-se maior interesse pela interpretação científica das "doenças do espírito".


Racionalismo


O século XVII traz o tema da loucura em obras poéticas tais como Hamlet e Rei Lear de William Shakespeare, o Elogio da Loucura de Erasmo e Don Quixote de Cervantes. No mundo científico, Copérnico, Leonardo da Vinci, Galileu Galilei, Descartes, Pascal e Isaac Newton revolucionavam as ciências naturais e o pensamento humano. Estas descobertas inluenciaram decisivamente a evolução científico natural da medicina e também na própria psiquiatria. Thomas Sydenham (1624-1689) foi o primeiro autor a descrever os efeitos dos opiáceos e realizou descrições sobre a coreia aguda, sobre a mania e a histeria. Thomas Willis (1621-1675) era um anatomista e neurologista e descreveu o Polígono de Willis, a paralisia geral (Sífilis) e a miastenia. Descreveu ainda alguns casos de jovens que na puberdade entravam em "estupidez", estado clínico que correspondia ou que veio ser designado por esquizofrenia. Do ponto de vista assistencial, entretanto, os doentes continuavam marginalizados. Na França, estavam nos dois hospitais gerais existentes: Salpetrière e Bicêtre, criados por Luís XIV em 1656.