D. Cacilda é uma senhorinha octogenária, muito frágil e humilde, mãe de nove filhos.
Conseguiu, sob todas as dificuldades, torná-los homens e mulheres adultos.
E com sua sabedoria ensinou-lhes as coisas certas da vida e o que é bom ou ruim.
Seus filhos, todos casados, com suas ocupações e trabalhos, vivem correndo.
D. Cacilda tem também muitos netos, talvez mais de 30, dentre os quais muitos já adultos e até casados.
Mas, infelizmente, apesar dessa família tão numerosa de D.Cacilda, não escapa a senhorinha à solidão.
D. Cacilda já se faz viúva há alguns anos e vive solitária em sua casinha, a relembrar de seus longos e passados anos ao lado de seu amado e companheiro marido.
Sua modesta casa sempre foi o lar acolhedor para qualquer pessoa. E nunca houve quem ali não se sentisse confortado.
Mas a vida tem seu ciclo.
D.Cacilda, já tão frágil caiu doente, de cama, totalmente debilitada e dependente. Os anos pesaram em seus ombros já bastante arqueados.
Mas que bom, ela tem tantos filhos e netos que nesse momento não estará sozinha.
Será?
Mas onde estão seus tantos filhos e netos? Onde estavam durante todo esse tempo que não tinham, simplesmente não tinham, tempo para visitá-la?
Sobraram apenas duas filhas, as mais amorosas, e que cuidaram dos últimos dias da mãe, com o zelo que um filho deve aos pais.
D. Cacilda partiu. Deixou sua casinha na ausência de seus hábitos.
Agora, seus tantos filhos e netos, já livres de sua senil presença, disputam vorazmente a única rica lembrança que desejavam da velha, sua modesta casinha.
Dizem que só falta que rolem no chão, aos tapas, para decidir a divisão da modesta casinha.
Assim, D. Cacilda deixou seu legado de miséria.
Eis o ser humano, em sua ambição e individualismo desmedidos.
Em sua busca incessante pelos bens materiais, extrapola os limites do supérfluo, fomenta abismos entre riqueza e pobreza espiritual, passa a tratar outras vidas como qualquer coisa.
Esquece-se daquilo que deve valorizar.