sexta-feira, 13 de maio de 2011

Jaha, quase nada mudou em um século

Jaha, uma moça de 20 anos, jovem negra, no auge da saúde física e mental. Já casada, com 2 pequeninos filhos.
Foi contratada para trabalhar como empregada doméstica, o que lhe causara felicidade, afinal precisava cooperar com o marido nas finanças de casa.
Logo nos primeiros dias já pôde sentir, na pele, o que seria trabalhar naquele lugar.

“minha patroa não deixava eu comer na mesa. Tinha que comer em um quartinho, sentada no chão. Ela mesma fazia o prato para eu comer. Eram os restos deixados nos pratos dos patrões.”

“minha patroa fazia escovar todo o carpete da casa com uma escova de dente.”

“um dia ela disse que só tinha me contratado porque minha raça é forte e aguenta serviço”

“minha patroa queria que, todos os dias, eu esfregasse o quintal e a calçada com um escovão e cloro puro. Ela nunca me deu luvas. O cheiro era forte demais e chegava sair lágrimas dos olhos. Eu esfregava o chão até sangrar entre os dedos.”

“ela colocava veneno no quintal para matar os ratos e depois fazia eu pegar com as próprias mãos o rato para jogar fora.”

Jaha sofria cada dia de martírio de forma calada. A patroa a ameaçava: “olha, se você contar qualquer coisa para alguém, vou te perseguir, vou te fazer coisas horríveis”
Assim, Jaha prosseguiu em seu calvário durante 3 meses. Nunca relatou seu sofrimento ao marido ou à sua família.
Mas um dia, após chegar em casa do trabalho, estava no tanque lavando as roupas da família e chorando, pois já não aguentava mais essa situação. Suas mãos doíam e sangravam facilmente, pois a pele estava fina demais pela ação do cloro e da escova. Nesse momento sua mãe chegou para visitá-la e acabou descobrindo. Jaha não suportava mais esconder o que acontecia e contou tudo.
Jaha já não trabalha mais nesse lugar. O que restou? A dor física das mãos dilaceradas pela ação do cloro? As dores dos joelhos inchados por passar parte do dia esfregando o chão? A dor no estômago vazio pela fome que passava? O nojo de pegar ratos com as próprias mãos?
Não, tudo isso já não tem tanto peso. O que restou foi uma alma destruída, ferida profundamente.

Uma dor física jamais poderá ser comparada à dor emocional.

Hoje, Jaha precisa de ajuda psicológica e psiquiátrica. Chora copiosamente, sente tristeza e angústia. Foi muito machucada em sua dignidade de ser humano.
Sente medo e se esconde dentro de casa. Ainda acredita que a ex-patroa poderá lhe fazer algum mal.
Mas Jaha seguirá em frente. Vai renovar sua auto-estima e fortalecer a auto-confiança.
Jaha quer voltar a ser feliz.

Exatamente há 123 anos, no dia 13 de maio de 1888, era assinada a Lei Àurea, que abolia a escravidão no Brasil. Mas como sempre, as leis podem funcionar muito bem nos papéis e, na prática nem sempre funcionam.
Passado mais de um século do fim oficializado da escravatura ainda é possível notar que uma grande parte dos negros sofre consequências de uma época em que eram tratados de forma tão degradante.
Uma lei jamais será capaz de determinar sentimentos. Uma lei não consegue impor à cor da pele do indivíduo a forma que deve pensar a respeito de outros.
Os negros eram considerados sem alma, sem sentimentos. Eram tratados pior do que animais.
A história de Jaha é capaz de demonstrar que a abolição está inacabada. Os 123 anos ainda são insuficientes para acabar com preconceitos e racismos.
Muitas pessoas, em pleno 2011, ainda associam a cor da pele à capacidade do indivíduo. Ainda são capazes de ignorar qualquer tipo de sentimento ou emoção individuais.
Enfim, não bastam leis antiescravatura ou anti-racismo. É necessário que o ser humano compreenda que a cor de pele não o torna mais inteligente ou menos. A cor da pele não o torna mais ou menos importante. Seja negro, pardo, branco, amarelo, cinza, ou qualquer outra cor, terá sentimentos dentro de si.





4 comentários:

Vida*** disse...

Que os nossos Sentimentos sejam respeitados!! Que a Alma dos Diferentes seja livre de Preconceitos.Sejamos Um.Sejamos irmãozinhos em tdas as conexões.Livre de:- credos,cores,imagem.A Princesa Izabel fez algo humano de puro Amor.Para ser respeitado por tdos nós.O que somos capazes de sentir o outro tbém sente.Frio,Fome,Dor,Solidão,emoções.Vamos ter Esperança em um mundo melhor.Para nossos filhos e netos.Gerações futuras.Livre de Preconceitos.Nossos passos nos levam a raíz..(Excelente texto Dr.)

Jackie Freitas disse...

Oi PD querido!
Maravilhoso texto para reflexões sobre preconceitos e destrato humano! Com certeza, meu amigo, há dores da alma que são maiores do que qualquer dor física! São danos, muitas vezes, irreparáveis e que somente com o tempo e muita (mas muita mesmo!) dedicação para recuperar o mínimo de dignidade e auto-estima! Somos todos iguais perante Deus e até mesmo perante às vidas que aqui existem... Porém, ainda alguns acreditam serem melhores do que outros, por condição financeira ou por pele...Ignorância elevada ao extremo! Muitas pessoas de peles claras, carregam dentro de si uma sujeira e escuridão tristes... Isso, sim, é pobreza e pequenez...
Parabéns pelo belíssimo texto! Perdoe-me pelo atraso, mas não poderia deixar de vir ler! É sempre um grande ensinamento e possibilidade de reflexão e crescimento.
Grande beijo!
Jackie

franciete disse...

Amigo muito me chocam esta histórias tão verdadeiras, onde o ser humano consegue escravizar o seu irmão de sangue e de alma, pois em Cristo somos todos irmãos, mas nós sabemos que ainda tem muita selvajaria. Pobre de quem precisa ainda de mendigar o pão para comer, pois eu tenho uma senhora de S.Tomé e Príncipe que trabalha em minha casa já faz alguns anos, e, me trata a mim e ao meu marido por paizinho e de mãezinha, rimos e choramos abraçadas, a cor da pele não é estatuto o sangue que corre nas veis tem a mesma cor e a mesma composição.
Portanto há que amar o próximo como gostamos de ser amados.
Beijinhos de luz e muita paz

Tempestade disse...

Infelizmente no mundo existem muitas pessoas ruins, pessoas que não aguentam ver outras pessoas felizes. O preconceito, seja ele qual for é um desses sentimentos. Eu procuro não conviver com pessoas assim, que só fazem o mal. É difícil, mas podemos viver sem nos misturar com gente ruim e preconceituosa. Eu tenho preconceito de pessoas assim.
Muitas pessoas no mundo tem um sorriso nos lábios e muito veneno no coração.

Obrigada pelo seu carinho no meu blog

Abraços

Nina